Por Milena Rego, Arte: Creative Powerr
Uma civilização avançada. Conhecimento tecnológico de vanguarda. Cientistas brilhantes. Naves voadoras. Mitologia fascinante. Personagens afros. Resgate da ancestralidade. A concepção do afrofuturismo impacta ao mostrar negros detentores de saberes amplos e absolutamente livres para expressar seus valores. O orgulho negro e a cultura pop se unem para criar uma realidade exuberante e high tech.
Movimento artístico cultural que nasceu por volta de 1950 e ganhou fôlego com a produção do filme Pantera Negra. O afrofuturismo coloca o povo africano como protagonista, onde ele mesmo tem condições de sonhar com seu próprio futuro, sem as interferências colonialistas. É uma forma também de transcender um passado doloroso adotando metodologias criativas.
Muito além de uma visão de ficção científica, o Afrofuturismo trata-se de uma filosofia, que resgata a história e tradições africanas. É uma forma de pensar realidades possíveis livres de opressão, devolvendo autoconfiança e empoderamento à população negra e uma conciliação com a história que foi esquecida e negada onde a cosmologia africana ganha destaque.
“o Afrofuturismo é “esse movimento de recriar o passado, transformar o presente e projetar um novo futuro através da nossa ótica negra”
Fabio Cabral
Mas como podemos exercitar esses novos conceitos?
Para isso, precisamos de ferramentas que ajudem a exercitar práticas de futuros. O mundo globalizado e hiperconectado nos mostrou uma necessidade urgente: a colaboração, a pesquisa científica e o pensamento coletivo. Sonhamos com um mundo melhor, mais pacíficio e mais promissor para todos. Entretanto, a maioria das pessoas recebeu uma educação voltada para a competição e baseada em uma visão eurocêntrica. O afrofuturismo funciona como um ensaio de possibilidades. Assim nasceu o Diário de Assisi. Um jogo de tabuleiro afrofuturista criado pelo designer de jogos Sanderson Virgulino em celebração ao Dia da Consciência Negra.
“A ideia radical de que pessoas negras existam no futuro”
Morena Mariah
Em um cenário distópico, Assisi é uma mulher negra que retorna e constrói uma nave com outros cientistas e segue para um planeta distante. Mal sabendo eles que haviam chegado no planeta dos seus ancestrais. A nave tem a missão de construir uma cidade. Ao contrário dos jogos tradicionais, onde existe apenas um único ganhador é através da partilha que se obtém maior número de pontos. O crescimento é coletivo. Ainda bem!
Diário de Assisi: De volta para Casa.
Em março de 2021 rolou via Twitch a apresentação do jogo que contou com um Collab entre Praga de Poeta, Teach de Future Brasil e Futurotopia.
Além de Sanderson Virgolino, o criador do Diário de Assisi, o jogo teve como anfitrião Victor Rodrigues que é poeta, educador e pesquisador de jogos. Enquanto poeta, escreve, lê e fala poemas, propõe saraus e intervenções, joga slam e pesquisa a palavra enquanto música. Atualmente publica textos no instagram @pragadepoeta e faz lives em seu canal na Twitch, enquanto prepara seu livroálbum “Dentes Acesos”. Como educador trabalha com escrita criativa e educação socioemocional, conduzindo oficinas, workshops, mesas, cursos e prestando consultoria na área. Pesquisa o lúdico como elemento artístico e educativo a partir de jogos e RPG.
Sobre o Collab:
Também contou com a presença de Wellington Porto, que ao lado de Rosa Alegria coordena o hub brasileiro do Teach The Future Brasil, um movimento global em prol do aprendizado de Estudos de Futuros e Pensamento Antecipatório nas escolas e que está presente em 25 hubs espalhados pelo mundo. Conheça mais conteúdo do Teach The Future Brasil aqui.
Já Moisés Moss, que também faz parte do Teach the Future, representou o Futurotopia e explicou o propósito do Portal, que é ser um ecossistema com profissionais, empresas e iniciativas que colaboram entre si para co-criar futuros desejáveis e plurais para um presente promissor para todos.
A explicação do jogo:
Durante a live, rolou um bate papo sobre educação, futurismo e cultura africana. Quem está acostumado a jogos baseados na competição e antagonismo vai ficar surpreso, pois o jogo promove a colaboração. O Diário de Assis foi inspirado na mancala africana. Uma forma de jogo pautado no uso do raciocínio lógico, onde originalmente eram usadas sementes. Tanto em Assisi, como na mancala a lógica é distribuir as peças entre os participantes. Um jogo que não tem oponentes, o ganho se dá pela partilha mútua. Enquanto se assiste o jogo, vai caindo a ficha do quanto estamos condicionados a competir. A ancestralidade aponta um caminho para a colaboração.
A mesa virtual conecta ideias e pessoas. O jogo se transforma em um estudo para vida real. Vários projetos da área de tech são colaborativos. Cada vez mais comum grandes empresas aderirem ao software open source, por exemplo. Um grande programa é criado pela colaboração de diferentes pessoas. Exatamente por isso que as cartas do Diário de Assisi surpreendem por unir áreas de conhecimento como Herbalismo, Estudos Científicos, Velas Solares e Ludologia.
As cartas se agrupam por temas como Ciências e Antropologia. Outra sacada genial é que os ideogramas do povo akan serviram de base para a estratégia do jogo. Os símbolos são valores éticos e servem como conectores entre as cartas. O mais popular deles é sankofas, que significa “voltar para buscar”. Já foi tema de documentário e TEDx Talks. Sanfokas é a lembrança para retornar às origens antes seguir em frente. É a essência de Assisi. O retorno para um planeta desconhecido para se reencontrar.
Diário de Assisi acaba sendo uma grande experimentação. É a oportunidade para vivenciar um ambiente afrocentrado ao mesmo tempo que aprimora o raciocínio lógico-matemático. O jogo exercita a mente e também alegra o coração. A narrativa de um tempo a frente exaltando a figura negra é inspiradora. Assisi vem de anos-luz de distância trazendo esperança de restauração para uma terra devastada. Seja bem-vinda. Chegue para ficar.
O Diário de Assisi pode ser jogado online e está em busca de suporte para ser produzido fisicamente.