Quando a disseminação da Covid-19 ganhou proporções de pandemia, as marcas precisaram navegar, sem bússola aferida, por um território até então desconhecido: como se posicionar quando a humanidade está em xeque? A resposta já começa a ser dada pelo consumidor, que enfrenta hoje perdas afetivas, emocionais e financeiras. As empresas mais lembradas durante a crise do coronavírus não são aquelas que apenas colocaram a mão no bolso, por meio de doações, porém afastadas do cerne do problema. Neste momento, as marcas mais reconhecidas são aquelas que se mostraram humanas, manifestando o máximo de empatia por seus públicos.
A doação ainda parece algo distante ou é vista com certa desconfiança pelos consumidores – para garantir a eficiência, ela precisa ser acompanhada de transparência, apontando o destino dos recursos, se há auditoria e quais são as entidades envolvidas no processo. Com uma evidente descrença nas instituições, inclusive nas marcas, o público tem confirmado sua preferência por “empresas ação”, aquelas que demonstram de maneira ágil suas habilidades para se envolver em questões sociais. Num momento em que agir é algo importante na relação entre pessoas e marcas, outros dois pontos fundamentais são a humanidade nas interações com o público e a verdade das ações. No Brasil, Itaú, Ambev e Magazine Luiza estão entre as empresas que conseguiram se posicionar de forma consistente e hoje são apontadas em pesquisas como as mais lembradas durante a pandemia.
Não há fórmulas para definir o que é (ou deveria ser) a essência de todos nós, mas há atitudes que tornam marcas mais humanas.
1) Tom de voz e eloquência: pela voz, as marcas expressam seus valores e personalidades, seus sentimentos e atitudes. Num momento delicado como o que estamos passando, todas as empresas precisam ouvir e dialogar com seus consumidores, ter sensibilidade em seu discurso, se colocar no lugar do outro. E a eloquência é fundamental para esta conexão mais humana. A empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, se tornou uma das principais vozes dos debates no País durante a pandemia, abordando da crise econômica à violência doméstica contra a mulher. Se posicionou com precisão e ternura, dando humanidade à marca e conectando todos os pontos de seus diferentes públicos.
2) Altruísmo com transparência: o que esperar da lista de grandes fortunas mundiais e de gigantes do sistema financeiro durante uma pandemia de proporções devastadoras? A resposta de Jack Dorsey, cofundador do Twitter, foi doar US$ 1 bilhão (28% de seu patrimônio) para esforços globais contra o coronavírus. Enquanto isso, o Itaú, maior banco brasileiro, fez uma histórica doação de R$ 1 bilhão para a causa. A instituição financeira também aplicou sua eficiência em negócios e gestão, já percebida em suas fundações, para formar a iniciativa Todos Pela Saúde, um grupo liderado pelo médico Paulo Chapchap, diretor-geral do Hospital Sírio Libanês, e que tem também a participação do médico, escritor e cientista Drauzio Varella, entre outros profissionais da área. Os recursos aportados serão administrados pela equipe de especialistas, responsável por definir as ações financiadas e assegurar que a verba seja destinada às finalidades certas.
3) Expertise a serviço do social: ser altruísta também é levar o problema para o centro de seus negócios. Montadoras como GM, Ford e Fiat estão aplicando agora seu conhecimento técnico no conserto de respiradores, essenciais para o tratamento dos casos mais graves de Covid-19. Enquanto isso, a Ambev fez valer seu posicionamento “Além dos Rótulos”. Depois de sair na frente com a produção de álcool em gel no Brasil, doou R$ 10 milhões para a ampliação de um hospital público em São Paulo e emprestou seu time de gestão de projetos para executar a obra em tempo recorde. A operadora Vivo também se apresentou como agente fundamental no controle do isolamento social no Estado de São Paulo: foi a primeira a firmar um acordo com o Governo para fornecer dados sobre o deslocamento populacional de maneira anônima e agregada – ou seja, respeitando a privacidade dos seus usuários.
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4) Abraçar as comunidades: atuar em prol das comunidades ao redor do negócio é uma prova de empatia com aqueles que estão mais próximos. Nesta linha, uma ação que merece destaque, por sua sensibilidade: a plataforma Apoie Um Restaurante, da Stella Artois, que abraçou os restaurantes e sensibilizou seus frequentadores a ajudarem um dos setores que mais sofrem neste momento. A Ypê, empresa de produtos de limpeza e higiene, foi além e pensou nos mais vulneráveis. Fez uma significativa doação de sabão em barra para comunidades carentes de São Paulo e do Rio de Janeiro – só para o Complexo do Alemão, no RJ, destinou 25 toneladas do produto, o equivalente a mais de 125 mil unidades. A Olympikus, marca de tênis mais vendida no Brasil, criou uma academia digital, que possibilita a geração de renda para profissionais do esporte e consumidores. Ao se transformarem em afiliados, eles ganham uma comissão da empresa a cada par de tênis vendido.
5) Verdade e vulnerabilidade: num período delicado para todos, se mostrar vulnerável é refletir um sentimento que também está sendo vivenciado por consumidores e colaboradores. Cofundador e CEO do Airbnb, Brian Chesky escreveu uma carta em tom muito honesto aos seus funcionários, explicando os motivos da redução de 25% dos times, num momento em que o setor de viagens se encontra sem perspectivas. Entre outras ações, a empresa dará suporte aos que foram demitidos, para que se recoloquem no mercado. A mensagem de Chesky (houve também um vídeo) foi bem recebida não só por seus funcionários, mas também por toda a comunidade de hosts e clientes da empresa, além de ser uma das atitudes de marca mais comentadas durante a pandemia.
6) Integralidade: o Magazine Luiza vem fazendo um trabalho integral desde o início da pandemia. Decidiu fechar suas lojas antes mesmo de os decretos estaduais entrarem em vigor, doou R$ 10 milhões para o tratamento de doentes do coronavírus e lançou o programa Parceiro Magalu – uma plataforma onde outros varejistas físicos, pequenos e médios, podem vender seus produtos. Além de ter Luiza dando um tom mais humano a tudo, a empresa tem Fred Trajano, seu filho, na linha de frente da área digital – inclusive incentivando os pequenos e médios empreendedores a se digitalizarem também para enfrentar a pandemia. Em um recém-divulgado ranking dos líderes de negócio com melhor reputação no Brasil, Luiza aparece em primeiro lugar e Fred, em décimo.
7) Descompressão: também é necessário levar um pouco de alívio, informação e alegria para tentar suavizar um momento tão difícil – e muitas marcas convidaram o consumidor a descontrair durante a quarentena. Adidas e Nike disponibilizaram treinos por apps e redes sociais, outras tantas marcas organizaram lives com músicos – ações que, além de entreter, arrecadaram fundos para cestas básicas. Destaque para as lives de Marília Mendonça, que tiveram patrocínio de marcas como Stone e Havaianas. Mostraram a cantora em casa, de maneira totalmente informal, inclusive de chinelo – até agora, sua audiência é recorde mundial.
Mais que parecer, é preciso de fato atuar de forma humana – e, por isso, um propósito bem feito e definido nunca foi tão necessário a uma marca. Ele possibilita que empresas reajam com mais agilidade e naturalidade neste momento específico e serve como uma espécie de lente mais humana no mundo corporativo. Ter uma força organizadora pode fazer uma enorme diferença em meio ao caos – um recurso facilitador na hora de colocar ideias em prática, para que sejam assimiladas facilmente pelos seus públicos. A relação marca/consumidor pede hoje ação, emoção e reação – empresas ativas e responsáveis, que entenderam a gravidade da situação. Não basta doar: este é um momento de mão no bolso, mas também na massa e no coração.