Num momento em que se buscam modelos que fazem sentido para o estudante, integrar o futuro aos processos de ensino e aprendizagem é intelectualmente estimulante
A relação com o futuro tem mudado com o tempo. Antes, as pessoas viviam e morriam na mesma sociedade em que tinham nascido. Já gerações atuais convivem com várias mudanças numa só extensão de vida, por conta dos avanços velozes promovidos pela ciência e tecnologia.
Para os nossos antepassados, o futuro era objeto de adivinhação e especulação, terceirizado aos oráculos, pitonisas e profetas. No período pós-guerra dos anos 1950, é que o futuro passou a ser estudado cientificamente para a criação de estratégias governamentais e empresariais. Mas mesmo diante da ameaça de uma terceira grande guerra, as mudanças eram lineares e contínuas. Era possível, com certo conforto, acompanhar o mundo pelas lentes da probabilidade.
Hoje vivemos no imperativo da incerteza como condição de sobrevivência. As mudanças acontecem rapidamente e nos conduzem a estilos de vida e modelos de trabalho que rompem com os padrões conhecidos. Neste contexto, não podemos deixar de questionar como as crianças e jovens estão sendo preparados para essa transição histórica entre o mundo que está acabando e o mundo que está nascendo.
Mesmo convivendo com tantas transformações, as escolas ainda mantêm o futuro distante do currículo e os professores são pouco capacitados para integrá-lo em suas práticas e reflexões.
Diante da complexidade, do caos e da contradição crescentes que fragilizam a sociedade em sua potência criativa, nada é mais importante para o ecossistema da educação do que explorar o futuro como um poderoso conceito organizador de mudança nas atividades escolares. Em 1974, o futurista Alvin Toffler já sinalizava para a importância de ensinar e aprender sobre o futuro e dava pistas sobre o hiato entre a educação obsoleta e a chegada de modelos emergentes.
Integrar o futuro aos processos de ensino e aprendizagem é intelectualmente estimulante para quem ensina e para quem aprende, por proporcionar uma abertura de pensamento e acrescentar um valor imaginativo útil para a construção de respostas às mudanças.
O uso de conceitos e técnicas que permitem ir além da provável ajuda a dissolver o medo, fortalecendo a potência criativa. Trata-se de um preparo valioso para a vida, à medida que torna os jovens corresponsáveis pelo mundo, ajudando-os a identificar seus propósitos em todas as dimensões frente aos desafios que já podem ser vistos adiante: novos modelos de ensino-aprendizagem, relacionamento entre humanos e máquinas, profissões que ainda não existem e que serão necessárias, inovações num mundo intergeracional, dicotomias entre democracia e vigilância, estilos de vida pós-pandêmicos, ascensão de novas culturas de consumo, arranjos familiares em mutação, o acesso aos bens naturais com as mudanças climáticas, tecnologias de inteligência aumentada, sistemas de produção nas novas economias, modelos de renda em sociedades cada vez mais desiguais estão entre algumas novas realidades a caminho. Por que não se antecipar a elas?
O conjunto de mudanças elencadas vai além do que a nossa própria imaginação consegue alcançar e da capacidade do sistema educacional em promover transformações.
Mas como ensinar sobre o futuro se ele não existe? Ora, podemos dizer que estudamos o passado e ele também não existe. O futuro está por existir e o passado existiu. A história ensina o passado através de registros materializados em símbolos, imagens, fósseis, artefatos, livros, documentos e objetos. O futuro também tem seus registros, só que desmaterializados: tendências, expectativas, medos e desejos, que não deixam de ser realidades.
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Como programa educacional, o futurismo chegou às escolas de ensino superior no final dos anos 1970 nos Estados Unidos e logo a seguir na Europa, marcando presença no mundo nos últimos 30 anos. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) criou em 2012 a Cátedra de Alfabetização de Futuros com conceitos e técnicas que fazem educadores irem além do provável, estimulando a criação de futuros possíveis entre os estudantes, assim como o movimento Teach the Future (“Ensine o futuro”) promove a alfabetização de futuros entre professores e estudantes em mais de 20 países.
Nas escolas brasileiras, o que se aprende ainda hoje em ciências humanas e exatas se restringe aos limites do que pode ser provado e experimentado em linhas contínuas que conectam o passado, o presente e o futuro. Pensando nos novos currículos, o futurismo cumpre um papel importante num momento em que se buscam modelos de aprendizagem que fazem sentido para o estudante: uma ciência interdisciplinar que estuda o futuro, considerando as mudanças em curso e as que virão, para que indivíduos e organizações possam se antecipar a elas.
Estamos cada vez mais expostos à necessidade de olhar adiante. Esse novo olhar requer a ampliação dos horizontes temporais nos sistemas educacionais. Como primeira estratégia, é preciso corrigir o que o futurista-educador australiano Noel Gough chama de assimetria temporal: a sobressalência do passado e do presente em detrimento do futuro e que revela a natural resistência humana em lidar com o desconhecido. Essa resistência muitas vezes se converte em temor, fobia e ansiedade, mais notadamente nas emoções dos adolescentes que se encontram diante de um futuro nublado.
Em face à transição histórica imposta pela pandemia global, como a educação irá se posicionar em relação ao futuro? Se o propósito de educar é desenvolver seres humanos em seu pleno potencial criativo pelo desenvolvimento de competências e habilidades, por que além de se ensinar a História não se ensina o Futuro?
A inclusão do futurismo nas escolas pode representar uma grande revolução. Os estudantes de hoje serão os líderes de amanhã e irão herdar os desafios relacionados aos problemas que nós criamos no presente. E cabe a nós, educadores-ancestrais das novas gerações, contribuir para essa travessia.
Fonte: Por Vir