Hora de ajustes
O futuro não é mais o que costumava ser.
Arthur C. Clarke
A frase de Arthur C. Clarke, escritor com mais de 100 obras e inventor do conceito dos satélites de comunicação e defesa, antevisa nosso momento atual.
Conhecido por sua incrível imaginação antecipatória com a obra “2001: Uma odisseia no espaço” de 1968 que roteirizou o filme homônimo de Stanley Kubrick, um ano antes de o homem pisar na lua. Clarck considerava que o telefone celular transformaria a humanidade pelo aumento e melhoria da comunicação, com tolerância e compaixão para alcançar entendimento entre povos e nações.
Falecido em março de 2008 aos 90 anos, nove meses depois do lançamento do Iphone e no ano do sistema Android, não chegou a ver toda a transformação causada no comportamento humano com esses dispositivos em nossos bolsos e com poder computacional superior a nave que levou o homem à lua. Com uma vida longa dedicada a imaginação do futuro, se estivesse vivo provavelmente não estaria surpreso com os avanços tecnológicos em nosso presente, porém talvez questionasse os benefícios comuns distribuídos.
Olhando tudo que a humanidade já foi capaz de gerar, historicamente nunca tivemos tantos recursos disponíveis, até pouco tempo atrás a vida para a grande maioria da população mundial era desagradável, carregada de brutalidade e curta, facilmente perdida com uma simples febre.
É impossível prever o futuro, ninguém tem essa capacidade, mas é plenamente possível explorá-lo e isso se chama prospectiva. Quando vamos definir estratégias, o que fazemos não é prever o futuro e sim ensaiá-lo, e nunca é apenas um, e sim no plural com as várias possibilidades de mudança, oportunidades e riscos.
Ensaiar o futuro nunca foi tão importante como agora.
Para isso, analisamos os sinais e seus possíveis gatilhos. O trabalho não é conhecer o incognoscível mas permanecer atento e ser o primeiro a perceber as mudanças de comportamento e agir com a mesma rapidez e flexibilidade.
Diferente da fantasia que é a imaginação fora da realidade baseada na mágica, a ficção científica é baseada em ciência, influencia a ciência assim como a ciência influencia a ficção. A criatividade humana nos dá possibilidade de moldar o futuro, alterado o futuro com ação deliberada no presente, fator necessário alimentado por um sonho ou visão para um futuro diferente e desejado.
No artigo passado (ver aqui) menciono que o futuro não é uma extensão do presente, e seu passado também não determina o seu futuro. Cuidado com a armadilha da repetição de fórmulas do passado tentando obter novos resultados: o futuro usado!
O futuro é imprevisível mas não chega do nada, ele nos dá sinais porém insistimos em analisar o futuro usando as lentes do passado e constantemente somos surpreendidos com coisas que vêm ocorrendo há tempos. Pensamento e fórmulas do passado não tem aderência no futuro.
O futuro já chegou, porém o mantemos oculto por nossa insistência em distribuir o passado, aquilo que já conhecemos e nos dá a sensação de estabilidade. Não vivemos no admirável mundo novo, e sim no inexorável mundo novo, porém apesar de já estar entre nós, o futuro não foi distribuído e colhemos todas as consequências disso, principalmente agora onde os desníveis foram expostos com as fraturas do sistema.
Futuro usado não leva a lugar algum e tem muita gente esperando ‘voltar ao normal’ para seguir, haverá outro normal, apenas diferente, o novo normal, o pós-normal, e quem sair na frente traça o futuro. Quem ficar aguardando para ver o que vai acontecer ou esperando voltar tudo como era antes será obrigado a se render ao futuro imposto por outros e perder a possibilidade de moldar seu próprio futuro desejado.
O autor HG Wells (1866 / 1946) considerado o pai da ficção científica, propôs o “futurismo” como uma nova disciplina acadêmica e recentemente a Unesco, órgão das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, passou a tratar futuros como algo ensinável, uma maneira de mudar a vida das pessoas, imaginar outros cenários e mover para alcançá-los.
Contar histórias faz parte desta ‘revolução’, imaginar outras possibilidades e coloca-las como objetivos como tirar meninas do círculo vicioso da pobreza e opressão, da repetição de histórias familiares limitantes ou dar sonhos e possibilidades a meninos de populações carentes em diversas partes do mundo.
Sem intenção de fazer trocadilho com a provável origem do evento global pois sua eclosão é consequência de uma série de outros fatores, a palavra em chinês para crise possui dois caracteres e assim como em alguns outros países asiáticos, duas definições: perigo e oportunidade. Onde oportunidade é vista como mudança de tempo, momento ou chance.
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Hora de ajustes
Se muitas vezes essa relação entre crise e oportunidade já foi feita no passado, agora pelo senso de urgência oferece nova oportunidade, o fio condutor da mudança naquilo que hoje parece desfigurado e pode ser transfigurado. Analise os cenários futuros e desejáveis e adicione iniciativas.
Tudo a nossa volta foi projetado para um mundo que não existe mais, novas estruturas organizacionais, sociais e políticas vão exigir novos profissionais, regulamentos e governança, um mundo que precisa aceleradamente satisfazer necessidades abrirá uma janela de possibilidades e experimentos com muitas forças convergentes. Muitos ainda resistirão às mudanças, porém quando tudo ‘parecer normal’ provavelmente a perspectiva mude.
Se como humanidade erramos muito, é hora de ajustes, da limpeza. O tempo de amadurecimento da humanidade chegou, onde o ser humano, sendo humano, remove negação e a nossa resistência coletiva à mudança quando adiciona transparência que confere confiança.
Entende assumindo a responsabilidade individual e coletivamente, inserindo empatia, cooperação e cocriação sistêmica em uma mudança transformacional, algo novo, que nunca se viu antes, ou “Se eu não mudar a direção, terminarei exatamente onde parti.”, como no provérbio chinês – coincidentemente!
Encontraremos o caminho. Entre a visão utópica e a distópica do mundo está o humano, e este é o caminho.
É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.
José Saramago
Future-se! por Paulo Gianolla